Paradoxos da maternidade

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O que fazer quando a experiência de ser mãe frustra as expectativas

Imagem: Freepik

PAULA FERREIRA

Eu não sei se realmente queria ser mãe”, revelou aos prantos a jovem mãe do bebê de um mês e meio. Os cabelos molhados, “presos em um coque no alto da cabeça, não escondiam as olheiras das muitas noites sem dormir. Aquela parecia ser a primeira vez que ouvia suas

próprias palavras, provavelmente ecoadas mui- tas vezes dentro de sua cabeça nos últimos dias. Ao externalizar os sentimentos que vinha experimentando nessa fase da vida, ela não hesitou em dizer que eram de decepção e frustração. Decepção por perceber que a maternidade não era nada do que ela havia pensado ao longo de nove meses e frustração principalmente por não saber o que esperar do futuro.

Situações de divórcio, perda do emprego, morte de um ente querido e problemas financeiros geram crises de ansiedade e podem levar à depressão. Mas e quanto aos fatores que podem fragilizar a saúde emocional de quem acabou de dar à luz? O primeiro passo para compreender o imenso desafio emocional que surge com a maternidade é analisar o choque que existe entre a expectativa e a realidade que se apre- senta com a experiência de ser mãe.

O puerpério é compreendido como o período que decorre desde o parto até que o estado de saúde geral da mulher volte à condição anterior à gestação. A partir dessa definição é possível pensar em um problema a ser resolvido: a expectativa ou mesmo o desejo de voltar a ter a condição física e emocional vivida antes da gestação. Sem dúvida, é nesse período que as mulheres mais duvidam do restabelecimento desse equilíbrio.

Transformação da realidade

A mudança após o parto é tão radical que faz com que a maior parte das mulheres viva, ao mesmo tempo, uma experiência sublime e apavorante. Essa ambivalência possui um imenso potencial de adoecimento psíquico. Mas, em geral, não é o que se espera das mães. Socialmente, pressupõe-se que as mulheres assumam a maternidade como algo sublime e, principalmente, que sejam leva- das a acreditar numa sensação de plenitude natural. Seguindo essa forte influência social, parece ser zona proibida para as mães experimentar qualquer senti- mento que seja oposto a esses.

No entanto, saúde mental e mudança são dois conceitos que estão intimamente relacionados. Em geral, a maioria das pessoas tende a buscar previsibilidade e garantir que as coisas aconteçam conforme esperam. Héctor Lisondo, autor do livro Mudança Sem Catástrofe ou Catástrofe Sem Mudanças (Casa do Psicólogo, 2004), explica que a mudança é o estado permanente dos seres vivos. Apesar disso, de acordo com o autor, aceitar transformações como parte essencial da vida é um dos principais desafios emocionais enfrentados pela maioria das pessoas, que em geral lutam pela conservação das coisas, pessoas e situações.

É a partir dessas alterações, sobretudo quando não se enxerga recursos ou apoio para seguir em frente, que a depressão encontra terreno fértil para se instalar na mente. Ela surge imersa nesse contexto e é muito facilmente confundida pela maioria das famílias como uma fase “normal” da vida gestacional e pós-gestacional. Por isso, muitas mulheres que deram à luz costumam ouvir frases do tipo: “é assim mesmo”, “comigo foi até pior”, ou “já já passa”, o que acaba por tornar ainda mais doloroso atravessar esse período.

De acordo com a Organização Mundial da Saúde (OMS), a prevalência de transtornos depressivos relacionados ao parto e pós-parto em países em desenvolvimento é, em média, de 19,8%. Outros estudos internacionais, como os que foram descritos no artigo intitulado “Depressão pós-parto: discutindo o critério temporal do diagnóstico”, de autoria da psicóloga Evanisa Helena Maio de Brum, revelam que entre 10% e 20% das mulheres desenvolvem transtornos mentais relacionados ao parto e pós-parto.

Processo de cura

A aceitação dos sentimentos contraditórios representa uma batalha importante a ser enfrentada na mente das mães, buscando compreensão mais clara do papel da maternidade e do desafio às estruturas mentais prévias. Por exemplo, uma jovem mãe criada em uma estrutura familiar exigente e perfeccionista será profundamente afetada pelo caos temporário ocasionado pelas roupas sujas, louça na pia, alteração de horários e rotina caótica da casa. Outro caso é o de uma mãe que aprendeu a dar conta de tudo sozinha, absorvendo todas as tarefas e responsabilidades para si sem pedir ajuda. Essas situa- ções mostram a extensão do desafio que a maternidade representa. E se isso não for superado com êxito, pode, com muita facilidade, levar a quadros depressivos.

Evidentemente, não podem ser esquecidas as diferenças sociais presentes entre mulheres que precisam trabalhar fora, encarar uma tripla jornada de trabalho ou que sejam as responsáveis financeiras pela família. O fato é que quanto maior for o desafio social enfrentado pelas mães, maior será o potencial de impacto da experiência em sua saúde mental.

Como integrantes da sociedade, é importante estar atentos para o reconhecimento dessa fase da vida como fonte de intenso sofrimento psíquico, potencializado pelo pouco apoio encontrado pelas mulheres para atravessá-lo. Dentre os sintomas importantes a ser considerados, pode-se destacar a perda ou excesso de apetite, irritabilidade intensa, dificuldade para criar vínculo afetivo com o bebê, tristeza intensa e choro excessivo. Esses sin- tomas podem ser identificados por pessoas próximas ou pela própria mãe. Quanto antes essa pessoa reconhecer um estado de adoecimento e iniciar o tratamento adequado, melhores são as possibilidades de recuperação e restabelecimento do equilíbrio psíquico.

Conexão com a maternidade

Para encarar as profundas mudanças e, principalmente, os desafios da maternidade, é preciso criar uma conexão com as próprias limitações e imperfeições, o que inclui a aceitação da incapacidade de prever e controlar pre- sente e futuro, reconhecendo um estado humano muitas vezes carente de apoio e suporte. Nenhuma escola será mais eficiente para alcançar esse amadurecimento emocional do que a maternidade e sua constante exposição ao pouco controle sobre o que está ao redor.

E que passos uma jovem mãe pode dar para alcançar, de maneira preventiva, o equilíbrio emocional nessa fase da vida? Aqui vão três pontos importantes:

1 Abrace a mudança e conviva com todas as incertezas que ela traz.

2 Tolere os sentimentos contraditórios presentes na maternidade.

3 Reestruture regras como“tenho que fazer tudo sozinha”, “pedir ajuda é sinal de fraqueza” e “não posso falhar”.

Por fim, precisamos assumir um papel mais ativo no suporte às jovens mães, oferecendo-lhes uma rede de apoio que vai desde a simples escuta sem julgamento até o suporte com atividades cotidianas. A maternidade é uma das mais ricas possibilidades de transformação e enriquecimento psíquico. Uma nova mulher surgirá dessa experiência, madura, segura, flexível, mais bem preparada para a vida.

Tolerar os sentimentos, reestruturar as regras internas e se ver como merecedora de apoio são passos importantes para alcançar isso. Sem dúvida, o reconhecimento de ser apenas uma pessoa com limitações, que não busca a perfeição e que aceita ajuda, tornará você a melhor mãe possível. Curta cada momento!

PAULA FERREIRA é psicóloga e supervisora clínica. Este texto faz parte da revista Quebrando o Silêncio de 2023.

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